Nota sobre o desmatamento no Cerrado e o fim do monitoramento do bioma Cerrado


Cenário Atual 

No dia 31 de dezembro, o INPE divulgou o resultado do mapeamento da supressão da vegetação nativa no bioma Cerrado no período de agosto de 2020 a julho de 2021, a partir de dados produzidos pelo Projeto PRODES Cerrado. Foram 8,5 mil quilômetros quadrados desmatados por corte raso, o que representa um aumento de 8% em relação ao ano de 2020 (7,9 mil km²).

Os estados do Maranhão, Tocantins e Bahia apresentaram os maiores valores de desmatamento, com a perda de 2,3 mil, 1,7 mil e 925 quilômetros quadrados de vegetação nativa, respectivamente. Esses valores representam 58% de todo o desmatamento ocorrido no Cerrado para o período. Junto ao Piauí, esses três estados compõem a região do MATOPIBA (acrônimo para: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), considerada como a última fronteira agrícola do país.

O estado de Goiás ficou em quarto no ranking, com a supressão de 920 quilômetros quadrados de vegetação nativa, totalizando, com os três primeiros estados, 68% da área total desmatada no bioma. O mapa a seguir mostra os valores e a tendência de desmatamento entre os estados que compõe o bioma Cerrado.

Figura 1. Área desmatada por estado (Considerando o novo limite do bioma Cerrado).

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Além do aumento em relação ao ano de 2020, nota-se que desde 2019, houve uma mudança na trajetória de redução do desmatamento observada a partir de 2013 (Figura 2). A linha do tempo coincide com o início da gestão do atual governo federal, marcada pelo discurso e implementação de políticas na contramão do desenvolvimento sustentável. Além do enfraquecimento das políticas de comando e controle de órgãos como o IBAMA e o ICMBio.

Figura 2. Área desmatada no período de 2013 a 2021, PRODES Cerrado

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Para piorar o cenário de desmonte das políticas de controle do desmatamento, o governo federal abdicou do monitoramento do Cerrado a partir do ano de 2022, sob a alegação de falta de recursos. Em agosto de 2021, o Instituto Cerrados, junto a outras instituições (ISPN, IPAM, WWF e Greenpeace), iniciou uma articulação para pressionar e cobrar esclarecimentos sobre o assunto. 

Em resposta ao ofício que enviamos aos órgãos competentes, o ministro do meio ambiente afirmou que “...estão previstos, não apenas a manutenção, mas também o fortalecimento e o aprimoramento dos sistemas de monitoramento disponíveis…”, declaração bastante contraditória, uma vez que passados cinco meses, o recurso ainda não foi oficialmente destinado ao INPE.

São necessários dois milhões e meio por ano para manter o projeto, um valor irrisório frente a importância da tarefa. O custo da interrupção do monitoramento da savana mais biodiversa do mundo, onde o desmatamento vem aumentando nos últimos anos, é muito mais alto. Segundo Yuri Salmona, diretor executivo do Instituto Cerrados, "É como atravessar a rua de olhos fechados. Para tomar a decisão de atravessar a rua, você monitora os carros para não ser atropelado. Para planejar o território e saber aonde investir, é indispensável monitorar o desmatamento, caso contrário, a tomada de decisão fica sem inteligência. Investidores internacionais não costumam comprar commodites sem a garantia do não envolvimento com o desmatamento. Além disso, o Brasil tem compromissos internacionais de eliminar o desmatamento."

Não combater o desmatamento no Cerrado significa perder oportunidades econômicas e uma série de serviços ecossistêmicos essenciais para a manutenção do nosso modo de vida. Nós, do Instituto Cerrados, estamos nos preparando para colaborar com a continuidade das ações de monitoramento do bioma. O Cerrado não pode esperar!
Quem são os responsáveis e quais as consequências do desmatamento no Cerrado?

Estudo recente do MapBiomas mostra que a agropecuária, especialmente a abertura de pastos e o plantio de soja, são responsáveis por 99% do desmatamento no Cerrado. Vale ressaltar que a atividade responsável pela parcela mais significativa do desmatamento (histórico e atual) no bioma é o agronegócio, e não a agricultura familiar.

E, apesar do governo tanto incentivar a produção de commodities, sob a lógica do “progresso econômico”, essas atividades não são convertidas em crescimento econômico e social para a população local. Isso ocorre, dentre outros motivos, devido a Lei Kandir (87/1996), que estabelece que os produtos de exportação não manufaturados são isentos da cobrança do ICMS, fazendo com que os municípios arrecadem muito pouco com a exportação de produtos como soja, milho, carne, etc. Além disso, o agronegócio possui baixa capacidade de criação de empregos devido a alta tecnificação das práticas agrícolas.

Tendo em vista que as áreas de Cerrado com maior aptidão agrícola já foram desmatadas nos últimos 40 anos, seria esperado que o desmatamento diminuísse expressivamente a cada ano, o que não tem sido observado. Além dos óbvios impactos sobre os serviços ecossistêmicos do Cerrado, incluindo provimento de água, proteção da biodiversidade e regulação do clima, dos quais a própria agropecuária depende, temos outro problema associado ao desmatamento, a nossa reputação frente ao mercado internacional. O mundo está fechando as portas para a compra de produtos provenientes de novas áreas desmatadas. Como exemplo, podemos citar a recente manifestação de parlamentares dos EUA e da europa, solicitando a investigação das práticas de desmatamento associadas a produção pecuária de uma grande multinacional brasileira.

Além disso, não há necessidade de desmatar novas áreas, pois apenas no Cerrado, existem cerca de 35 Milhões de hectares de pastagens degradadas (uma área do tamanho da Alemanha) com baixa capacidade produtiva, que podem ser restauradas e melhor aproveitadas.

O setor agrícola deve se tornar um aliado na luta pelo combate ao desmatamento, já que boa parte do Cerrado que ainda temos está em terras privadas, e deve ser preservado na forma de Reservas Legais e Áreas de Preseservação Permanente, conforme exigências do Código Florestal, e até na forma de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), conforme o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Está muito claro que a capacidade produtiva e a comercialização dos produtos agrícolas dependem disso.

A estratégia para reduzir o desmatamento no Cerrado já é bem conhecida, e consiste em ocuparmos o território de forma planejada e estratégica, aproveitando áreas já abertas, restaurando áreas degradadas, conservando a vegetação nativa, criando novas unidades de conservação e aprimorando a gestão das que já existem, dando visibilidade e garantindo o direito à terra aos povos e comunidades tradicionais, fortalecendo cadeias produtivas do extrativismo e da agricultura familiar e, por fim, garantindo o monitoramento do desmatamento no bioma.

Nota Técnica por Giovanna Cordeiro
Analista em Conservação da Biodiversidade do Instituto Cerrados 
Referências
 
GREENPEACE. Segure a linha: a expansão do agronegócio e a disputa pelo Cerrado.Tato Coutinho. São Paulo, Brasil: [s.n.].
INPE (2021). Nota Técnica PRODES Cerrado. 
INPE (2021). Dados do Projeto PRODES Cerrado. 
Matéria da Folha de São Paulo, disponível em: 
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