Áreas Prioritárias para Conservação de Água do Cerrado - Carta aberta à Ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Marina Silva

 A natureza não vê fronteiras. Amazônia, Cerrado e os demais biomas são como membros de um mesmo corpo. Nesse grande organismo, o Cerrado é o coração, o coração das águas. É o Cerrado que abastece 8 das 12 bacias hidrográficas do país, inclusive a Amazônica. Mais de 90% da água que corre pelo São Francisco vem do Cerrado; toda a água que corre no Pantanal e no Parnaíba vem do Cerrado, cerca de 60% que abastece Itaipu, na bacia do Paraná, vem do Cerrado.

A importância hídrica do Cerrado não é um argumento apenas de ordem ambiental, é uma questão de Soberania Nacional, de Segurança Alimentar, Energética, de estratégia de país. Cerca de 40% da água potável do Brasil vem do Cerrado, o dobro da contribuição da Amazônia; cerca de 40% da energia elétrica do país é produzida com as águas do Cerrado; metade dos alimentos e commodities agrícolas brasileiras vem do Cerrado. Nada disso continuará se não frearmos o desmatamento e não começarmos a restaurar e proteger mais áreas do bioma, que guarda nossa água. Isso impacta a todos os brasileiros e todos os biomas, até o Pampa, sente o desmatamento no Cerrado.

Exemplo disso foram as desastrosas enchentes no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O desmatamento do Cerrado intensificou o bolsão atmosférico de ar quente sobre o Centro-Sul, bloqueando o percurso dos rios voadores, que trazem ar úmido da Amazônia para o interior do país e o espalhamento das frentes frias úmidas do Sul, estacionando as chuvas.

O desmatamento do Cerrado, e a irrigação intensiva, perturbam o ciclo hidrológico, diminuindo a água armazenada no solo que é liberada nos rios nos períodos secos, além de outros impactos. Esse fenômeno retroalimenta os efeitos da crise climática, encurtando períodos de chuva (entre 36 a 56 dias), aumentando a temperatura (+1º), aumentando as incertezas climáticas e, por consequência, quebras de safras, com prejuízos bilionários. Trabalhos científicos já demonstraram uma perda média de mais de 15% da vazão dos rios e as projeções para o futuro são de uma perda de 33% a 40%.

A nossa geração é a única que pode frear e reverter parte desse cenário, não há espaço para adiamento. O custo político, econômico e social de não agir agora é e será imensamente maior. Para que possamos agir de forma bem orientada temos diferentes propostas, uma delas são as Áreas Prioritárias para Conservação de Água do Cerrado, a APCAC. Nós do Instituto Cerrados, juntamente ao MMA, Agência Nacional de Águas e a iniciativa Tamo de Olho iremos somar com outros parceiros para elaborar uma análise detalhada de quais locais devem ser priorizados para ações de conservação, restauração e monitoramento, tendo como foco o provimento de água. Elaboraremos um mapa e um documento indicando essas áreas baseadas em metodologia científica, ao mesmo tempo que fomentamos diálogos para construirmos um arcabouço de aplicabilidade real, no território.

Este trabalho sozinho não resolverá o problema do Cerrado, mas sem ele também não teremos a solução. Esperamos que com esse passo possamos colaborar mais para geração de outras alternativas para manutenção do Cerrado e de seus Povos. Fica aqui o reconhecimento da reabertura do diálogo ambiental proporcionado neste mandato e também a necessidade de seguirmos com coragem, ciência e cooperação. Esse trabalho contínuo é capaz de manter o Coração das águas pulsando.


Yuri Salmona
Diretor executivo do Instituto Cerrado
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